sábado, 8 de setembro de 2012
E aí, Concorda ?
Esses dias, um amigo me passou um texto que particularmente gostei muito. Achei que seria interessante repassar esse texto
"O desejo de ver seu trabalho sendo devidamente reconhecido"
Autor: Hiro
Esses dias, um amigo me passou um texto que particularmente gostei muito. Achei que seria interessante repassar esse texto
"O desejo de ver seu trabalho sendo devidamente reconhecido"
Todo mundo já ganhou uma caixa de lápis de cor ou um jogo de lápis de
cera quando criança e desandou a desenhar os pais, monstros, o cachorro e
o que passa na TV. Gastou uma floresta em cadernos de desenho e várias
paredes tentando expressar sua criatividade.
Isso faz do desenhista o primeiro ensaio de profissão que uma criança
pode ter, tanto quanto ser um jogador de futebol (virar médico por causa
da prima não conta).
Portanto, é natural que todo ilustrador tenha uma paixão natural pelo seu trabalho.
Quem era desenhista e virou ilustrador é porque ou teve um talento nato
ou desenvolveu com a prática, mas sempre teve um motivador que percebeu
que tinha o poder de criar algo com a mente e as mãos.
Se você resolveu ganhar a vida com o dom do traço, com certeza passou
por alguns micos na família e entre amigos. “Você vai morrer de fome”,
ou “vai vender desenho na Praça da República”, ou “Seu irmão é quem deu
certo, virou advogado”. Você vai conhecer um ou outro que foi abandonado
pela namorada porque achava que ele não tinha futuro, que ia acabar com
o cabelo sebento, com um bloco de desenho e um vira-latas amarrado com
barbante, deitado no meio da sarjeta. Mesmo assim foi em frente, mesmo
com o mundo apostando as fichas em outro cavalo.
Sou ilustrador e não desisto nunca
Nunca vi um ilustrador que desenhasse por obrigação ou só para pagar as
contas. Nunca vi um ilustrador que ficasse olhando o relógio a cada 5
minutos na expectativa de chegar as 6 da tarde e ir embora correndo pra
casa. Todo ilustrador tem uma característica: tem uma paixão pelo que
faz.
E por que não me refiro mais como desenhistas, mas sim como ilustradores?
O desenhista desenha por pura paixão. Dá um rim porque acredita no que está fazendo.
O ilustrador também desenha por paixão. Mas ao contrário do desenhista, ele vira profissional.
E ser profissional não é simplesmente ganhar dinheiro com desenho. Primeiro grande erro que a maioria dos desenhistas têm.
O ilustrador têm que ganhar dinheiro sim, e isso se torna uma relação
comercial. São negócios. O ilustrador vira um comerciante de si mesmo,
vende o que tem de melhor que é seu talento.
O ilustrador segue regras. Simples assim.
Regras comerciais (entre ele e o cliente) , regras contábeis e
financeiras (passar nota e administrar a grana), regras legais (saber
seus direitos e deveres perante a lei), regras pessoais (para não
desvirtuar do que acredita) e regras éticas (para ter uma coerência com
toda a classe dos ilustradores).
Se não segue regras e desenha o que quer, por que quer e não consegue
argumentar com o cliente, então desculpe, tá confundindo arte com
negócios.
E um dos maiores erros que vejo por aí é a terrível combinação de
talento + insegurança pessoal + picaretagem dando frutos monstruosos.
Isso gera gente que pede desenho de graça. E gente que aceita fazer isso.
Uma coisa é sua namorada ou sua tia pedindo um desenho pro cartão de aniversário da irmã.
Outra coisa é um empresário que pede uma ilustração de graça (ou para
teste) com as mais variadas desculpas. As mais famosas são:
“Seu trabalho vai ter uma divulgação tremenda”.
“É bom pro seu portfólio”.
e a mais famigerada: “Esse é de graça, mas depois você vai ter outros bem remunerados”.
“É um trabalho de risco, se for aprovado você ganha”.
Tem uns mais indecentes que dizem simplesmente “Se não fizer, tem gente que faz”.
Pois bem. Acho que nesse ponto eu tenho alguma autoridade pra dizer que isso é a mais pútrida e cadavérica mentira.
Trabalhei mais de 10 anos numa grande agência fazendo o papel duplo de
diretor de arte e iustrador. E nesse período, fiz o trabalho também do
que hoje se chama “art buyer”, ou seja, contratava ilustradores e
fotógrafos para alguns trabalhos.
E eu posso dizer com certeza:
• Nenhum trabalho garante que outros trabalhos virão por causa dele.
• A divulgação é uma conseqüência natural do seu trabalho, é como dizer
para um barbeiro que não vai pagar o corte porque vai divulgá-lo por aí.
• Quem é a anta que disse que ilustrador precisa de material publicado para colocar no portfólio?
Primeira coisa que deve ser lembrada, ó desenhista desesperado por atenção e do vil metal para dar estímulo à carreira:
O que você vai dar de graça vai ajudar o lamuriante picareta a ganhar
dinheiro. Seja em embalagem, anúncio, revista, tatuagem, o que for. Ele
vai ganhar dinheiro e você não!
Isso é uma afronta, uma ofensa profissional e um desrespeito pessoal.
Você não sai na sorveteria pedindo um sorvete de graça prometendo
comprar um monte na próxima vez, certo? Nem pede pra cortar o cabelo de
graça pra você fazer divulgação do salão. Nem pede pro marceneiro fazer
um armário de graça para ele colocar no portfólio.
Mas por que pedem isso pro desenhista?
Por que ele não liga, desenha com paixão e faz rapidinho…na verdade estão fazendo um favor pra ele.
Acontece algo parecido com os médicos.
Qualquer médico em uma festa é interpelado uma ou duas vezes por um
gaiato que quer um diagnóstico na hora mostrando um furúnculo na bunda
enquanto segura um copo de vinho.
Já que está ali, vamos aproveitar.
Mas pelo que eu sei, a maioria dos médicos já cortam o barato no meio. Dá o cartão e pedem pra passar amanhã no consultório.
Desenhistas deveriam ter a mesma postura.
Isso é necessário para ter uma integridade pessoal e financeira para o ilustrador, e principalmente, para todos os ilustradores.
A regra é simples: Se existem pessoas que pedem isso é porque existem pessoas que o fazem.
E não trazem leite pra casa, mas algumas promessas e um punhado de feijões mágicos.
Abrindo as portas da percepção
Eu já passei por isso. No começo da minha carreira como autônomo,
inseguro, perdido e ingênuo como coelho Tambor, aceitei um trabalho de
risco, ainda mais porque era amigo de um amigo meu que não vejo há anos.
Quando vi o quanto o cara ganhou com meu trabalho e vi que toda dor e
lágrimas que me passaram eram falsas como as promessas, minha barriga
doeu de raiva e indignação. A partir daquilo nunca mais.
Existem situações mesmo em grandes agências onde me pedem um “trabalho
de risco”. Ou mais descaradamente, “precisamos de um desenho para layout
da campanha que ainda vai ser aprovada”. Não é coisa vinda de um Zé
Ruela da esquina.
Mesmo dizendo que tenho uma tabela de valores para ilustrações para
layouts, sem aprovação do job, há aqueles insapientes que insistem na
“filosofia do risco”.
Recuse e recuse com orgulho. É estupro profissional e pessoal, sua auto-estima vai ficar no nível da sola do pé com o tempo.
Não existem exceções? Claro que existem, mas são raras e tem critérios
muito pessoais. Pra fins beneficentes, por exemplo. Nem encaro como
risco, mas como doação mesmo. E pára por aí.
Recebo todos os dias pedidos de trabalho de graça, de ongs, de cultos
religiosos, de escolas, de empresas falimentares, de meninas mimadas, de
editoras sem noção, de tudo quanto é tipo.
Para estes, ignorá-los não se tornou apenas uma opção, virou uma necessidade.
O Efeito Borboleta
Só pra entenderem o que isso causa, há 20 anos os valores pagos por
ilustração eram bem diferentes. Tudo bem que antes não existia
computador e tudo era feito na raça, mas a relação entre valor e direito
de uso de imagens não mudou.
A diferença é gritante, principalmente no meio editorial. Uma ilustração
de página dupla que hoje sai por uns R$600,00 antes era o dobro do
valor, e até mais do que isso. O achatamento dos valores foi progressivo
até chegar o que é hoje. E sabe o que é pior? O achatamento não parou
por aí. Vai continuar até chegar na espessura de uma panqueca. E, se
isso acontece em uma das maiores editoras do Brasil, imagine o que não
acontece nas Boca-de-Porco Publishings?
Cheguei a pegar uma época em que ser ilustrador era sinônimo de ser
rico, sem exageros. Ganhava-se muito bem, e foi um dos motivadores de eu
largar a Biologia pela Ilustração. Não me arrependi de ter feito a
troca, mas fico triste e ensandecido quando vejo o respeito financeiro
que a ilustração vem tomando no Brasil, o suficiente para cogitar a
possibilidade de trocar de país.
Até mesmo Cacilda Becker, cansada de receber pedidos de convites de
graça das suas peças de teatro, grudou um recado no vidro da bilheteria
dizendo: “Não me peça de graça a única coisa que tenho pra vender”.
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